Obs.: As opiniões e considerações postadas neste blog NÃO refletem necessariamente a visão da ONG-ATEAC, sendo de exclusiva responsabilidade de seu autor.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Crianças carentes

           Sinceramente, me dá raiva aquelas pessoas que dizem que a fortuna que conquistaram foi apenas por fruto de seu trabalho intenso.
           Neste final de semana fomos eu e Batata num evento beneficente na Bosch (Industria de Ferramentas Automotivas). Neste evento foram convidadas crianças cujos pais perderam o "pátrio poder", o motivo não vem ao caso, mas drogas, violência e abusos eram causas frequentes.
           Batata sofreu dessa vez... crianças eram de uma carência tal que disputavam a atenção de qualquer ser vivo, brigavam por um mero passeio de alguns metros com a cachorrinha como se aquilo fosse o último copo d'água do deserto.
           Percebi que para uma criança a necessidade de afeto é como o ar que respiramos, precisam se sentir vivas e o sentimento de existência só existe quando recebemos algo de bom das outras pessoas. Ficamos poucos minutos com elas, mas a sensação de drenagem que, normalmente, ocorre nos atendimentos foi multiplicado pelo infinito dessa vez.
           Então, reflito que tipo de adultos sairão de uma sociedade assim. Se, no nosso meio, nos revoltamos (principalmente na adolescência) com coisas banais, como um tênis de marca ou a falta de carona para uma balada e, alguns de nós se desviam para a droga ou o para o crime pela simples falta de perspectiva, imaginemos que mente doentia crescerá numa criança que tem necessidade de tudo que é básico para a vida.
           Lembro também de uma entrevista com o Senor Abravanel (Silvio Santos) em que ele dizia que o Americano trabalhava duro, mas tinha casa para morar, comida para comer, estudo para os filhos e saúde para a família e lhe revoltava quando diziam que o povo brasileiro era preguiçoso. E realmente, trabalhando 8 horas por dia o brasileiro não consegue dinheiro nem para comer, que dirá para vestir, morar, se tratar, estudar e um mínimo de diversão... então não há estímulo, não há motivação para o trabalho.
           Hoje em dia, nas grandes cidades, talvez não se morra de fome... mas essas crianças tinham fome de colo, carinho e atenção. Uma garota fingia gostar da Batata, mas o que ela queria era um pouco de conversa, enquanto eu estava sentado no chão ela, sem cerimônia, se sentou no meu colo e se aninhou... colo de um completo desconhecido... o que me faz pensar: uma mente facilmente manipulável.
            Batata foi pouco citada na postagem desse encontro, pois a alegria que ela transmite foi ofuscada pela escuridão da desesperança dessa infância. Foi um pingo de conforto num mar de sofrimento... dessa vez não me senti recompensado. Há necessidade de um redirecionamento geral na vida dessas crianças e isso está um pouco fora do trabalho da nossa ONG. E, enquanto isso... pensamos na Copa do Mundo.
             É uma pena saber que uma cadelinha como a Batata recebe mais afagos e elogios que um ser humano, mas criar uma criança mal tratada pela vida como essas é trabalho para profissionais e estamos despejando milhares delas por aí.

                                   

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Clínica de Transtornos Mentais

     A mente das pessoas... um labirinto indecifrável.
     Fomos visitar uma clínica de transtornos mentais no domingo. Encontramos pessoas com as mais diversas patologias psíquicas: Bipolares, Depressivos, Dependentes químicos, Obsessivos compulsivos...
     Éramos um grupo grande dessa vez (10 voluntários e 10 cães), a visita seria experimental, apenas para conhecermos mutuamente o trabalho de cada um.
     Fomos recebidos com alegria e curiosidade (como sempre a presença dos cães quebraram qualquer muro de comunicação entre os internos e os voluntários) muitos nos fazendo muitas perguntas, outros despejando conhecimento sobre cães... Um grupo bem heterogêneo....
     Batata, como de costume, estava livre (sem guia) era uma visita experimental e como ela fica um pouco agitada quando fica presa decidi livrá-la desse transtorno (mas é um defeito que preciso tirar, culpa da falta de passeios e da sua mania de ficar grudada em mim).
     Livre para "xeretar", Batata escolhe os seus pacientes (ou melhor, vai com quem chama o seu nome) e assim foi... ficou uns cinco minutos com um jovem quieto de boa aparência que, aparentemente, sentiu muita paz ao ficar afagando a cachorrinha, pois ficou sentado lá sem tirar os olhos dela. Depois foi com um homem de uns 30 anos de idade, olhos saltados e azuis que não escondiam a sua necessidade de ajuda, a fala, com pausas constantes, denotavam um raciocínio lento prejudicado por drogas ou sofrimento interno constante. De qualquer forma, o olhar fixo no rosto da Batata parecia dar um certo alento no espírito dessas duas pessoas, dando um escape momentâneo da realidade tão dura...
     Depois o funcionário da clínica me chamou para interagir com algumas mulheres sentadas num banco próximo, estavam inibidas com nossa presença.
     A primeira com uns 25 anos não conseguia olhar nos olhos, ficava com a cabeça baixa enquanto falava, percebi que também tinha dificuldade em caminhar, pois logo recebeu visita dos parentes e se despediu escorada com os seus. A outra, uma mulher de uns 50 anos, contou que tinha medo de cães, pois seu filho criava Pitt Bulls e uma vez foi atacada por eles, mas aceitou acariciar a Batata e percebeu que a maneira de criar é determinante na personalidade do cão, ficamos uma meia hora conversando, tempo suficiente para uma pequena biografia de sua vida.
     A última foi a Batata quem escolheu, mulher de 20 e poucos anos, dificuldade imensa para se comunicar, apenas balbuciava frases incompreensíveis. Também não nos encarava, ficando com o olhar fixo no chão enquanto tentava falar, sendo que ao tentar falar sua saliva escorria pela boca. Batata não se importava com isso e continuava a ganhar a sua carícia meio desengonçada pela falta de coordenação da moça, ao mesmo tempo que a baba caia em sua cabeça. Um sentimento que me parecia natural seria asco, mas a ternura era tanta que a cena ficou bonita e deixei que ela seguisse... nada que um banho não resolva...
     Um último pensamento passou pela minha cabeça naquele momento: Que tipo de sociedade estamos vivendo que produz tamanho sofrimento? Onde pessoas precisam se internar por não conseguir competir ou interagir com as outras?
      Algumas eram doentes na forma literal da palavra, mas outros... eram pessoas comuns inteligentes e boas... o que será que pode ter acontecido para que o fio da sanidade rompesse? Que conflito interno ou ameaça externa pode ser tão grande? Será que estamos vivendo em guerra, em plena batalha?
      Nisso, olho para a Batata... de novo com o rapaz que atendeu em primeiro lugar, e vejo satisfação no rosto dos dois. O mundo poderia ser mais simples...

   

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Independência

          Hoje a Batata foi trabalhar sozinha, em outras palavras, foi ao hospital com a Fabiana e a Ylenise que são integrantes da ATEAC.
          Foi com uma carinha meio preocupada (afinal me deixou para trás), mas feliz por sair para passear de carro.
          Uma vez li um artigo contra a Terapia Assistida por Animais dizendo que esta explora os animais e os coloca frente a um stress desnecessário. Sou radicalmente contra essa afirmação.
          Sempre considerei meus cães como filhos (filhos adotivos de espécie diferente, afinal pai é quem cria e educa). Quando coloquei meu filho na escola nunca perguntei se ele gostava de ir estudar ou não, quando o matriculei na natação idem, quando o deixava no inglês, nem eu nem ele apreciávamos a situação. Sendo assim, colocar a Batata para trabalhar não me parece uma forma de exploração... é uma questão de cidadania. Batata é quase um ser independente, recebe dois sacos de ração pelo seu trabalho no Hospital e na Comunidade Terapêutica.
          Quando ela foi trabalhar hoje, sozinha, um sentimento parecido com o primeiro dia de escola do meu filho soprou na minha alma. O olhar meio de esgueio, o corpo indo, mas o coração aflito querendo ficar... e, na volta a alegria do retorno ao lar.
           Independência... é isso que queremos para nossos filhos e, se temos a oportunidade de proporcionar isso para nossos animais de estimação é um ato de amor e não exploração. Transformar nossos animais em cidadãos com direitos e deveres elevando-os à condição de indivíduos e não nos colocar na postura de muitos "defensores da natureza" que descem ao nível instintivo dos animais selvagens provocando "terrorismo" contra quem é cruel à outras formas de vida.
            Posso estar cometendo um exagero de antropomorfismo em relação aos cães, mas segundo algumas vertentes religiosas, os animais também estão em evolução espiritual. Assim como os anjos estão num patamar evolutivo maior em relação ao ser humano, o homem é mais evoluído espiritualmente que os animais. Pensando assim... não custa dar uma mãozinha para eles com aprendizado (adestramento) e trabalho (Terapia Assistida por Animais).
            De qualquer forma, gostaria de ter um trabalho como a da Batata (essa é a Batata prá valer na foto):

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Tecnologia

     - Oi, Tudo bem? Gosta de cães?
     Normalmente essa é a primeira frase que a gente diz para a criança que está no leito do hospital. A psicóloga da ATEAC faz uma entrevista prévia, mas finjo sempre que tudo acontece sem planejamento.
     Gabriela (*), uma menina de oito anos, está sentada fazendo inalação. Quieta e tímida ela aceita a companhia da Batata. Como Gabriela está muito retraída e apenas passa a mão na parte de trás do corpo da cadelinha, esta apenas se deita no colo dela e aproveita para tirar uma soneca.
      Tento conversar com ela sobre cães, mas ela não tem cachorro. Passamos para o próximo passo: escola. Acertamos um assunto que ela gosta de falar... começou e não parou mais, a timidez quebrou como um vaso de porcelana atirado no chão. Disse que as amigas estão preocupadas, não tem namorado porque os meninos da classe são muito feios, a professora é muito legal, mas não é bonita, gosta de estudar, mas detesta lição de casa...
       De repente percebo o celular carregando ao lado do travesseiro e digo: "Que tal se tirássemos uma foto sua e da Batata daqui do Hospital e mandássemos para as suas amigas e professora?"
       - Que máximo! Vai fazer sucesso!! - ela respondeu.
       Tiramos algumas fotos com a Batata no colo.
       - ÉÉ... não dá para perceber que estamos no Hospital, vai parecer apenas que você está na sua cama com seu cachorro e de pijamas. - disse eu.
       - Hahaha...! É mesmo... parece que estou apenas matando aula. Mas vou mandar assim mesmo!! hahaha...
       A tecnologia neste ponto é muito positiva. Mesmo distante dos amigos mantemos contato e dividimos alegrias simples... como a foto de um cachorro, do nosso lado, numa cama de hospital.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Analgésico

       As tragédias, às vezes, tem o seu lado engraçado... no quarto 04, onde ficam as crianças mais velhas (quase adolescentes), estavam dois garotos com a mesma lesão: Fratura completa da tíbia (osso da perna) do membro direito. Como os dois estavam deitados em leitos vizinhos, eram muito parecidos fisicamente e estavam imobilizados do mesmo jeito dava a impressão de estarmos com um espelho ao lado da cama.
       - Vocês dois são irmãos? - essa pergunta era feita todas as vezes que entrava uma pessoa pela primeira vez no quarto... Gozado que enquanto estava lá umas cinco pessoas comprovaram essa afirmação.
       O primeiro garoto aceitou bem a Batata. Era menos tímido e, por ele pude saber que os garotos foram atropelados enquanto andavam de Mobilete (um misto de bicicleta e moto) por isso a lesão ser parecida.
       O segundo garoto, já mais tímido, foi virando a cara quando me aproximei com a cachorra.
       - Não gosta de cachorro? - perguntei.
       - Mais ou menos... - ele respondeu com uma cara de pouco caso.
       - Bom, vou colocar a Batata aqui do seu lado... vai passando a mão nela... dizem que isso faz a gente liberar endorfinas que aliviam um pouco a dor. - disse para o garoto que aceitou sem muito entusiasmo.
       Enquanto isso conversamos sobre outras coisas e fui percebendo que os afagos foram ficando mais calorosos enquanto Batata se aconchegava e deitava sua cabeça no colo do paciente.
       Terminada a visita perguntei se a dor diminuiu e ele respondeu que sim "- Ajudou a melhorar." com um sorriso nos lábios.
        É... a cachorrinha é mágica mesmo!!




sexta-feira, 27 de abril de 2012

Batata e a voz de trovão

       Mais uma vez Batata se encontrou com os internos da Comunidade Terapêutica de Dependentes Químicos. Como de costume, a atividade era de adestramento e Batata ficou a postos para receber as guloseimas que servem como reforço positivo.
       Um senhor de certa idade ficou incumbido de adestrar a cão-terapêuta... Recebeu os petiscos, o clicker e partiu em direção de sua tarefa.
       Provavelmente, sentindo o cheiro dos petiscos, Batata se sentou e se aproximou desse senhor que foi  logo afagando a cabeça e o corpo dela (o que já era meio caminho andado para conseguir qualquer coisa dessa cachorrinha).
       O método do clicker é um pouco lúdico... deixa-se o animal à vontade e quando ele se aproxima daquilo que você quer, simplesmente aperta-se o clicker, oferece-se o petisco e clica-se conforme o movimento vai progredindo.
       Tudo ia bem até que o senhor falou com a Batata:  - "Senta Batata!".
        A voz do homem parecia um trovão de tão grave e rouca que era, e como esse senhor era um pouco lerdo para clicar na hora certa, ele tentou o método mais tradicional: dar voz de comando e induzir o movimento.
        O problema é que na hora que aquele "vozerão" disse "Batata", Batata olhou para mim assustada como se perguntasse: - "Por Deus! O que eu fiz de errado dessa vez???"... enfiou o toco de rabinho entre as pernas e se curvou com os olhos abaixados para o Barítono.
        Quanto mais ele chamava pela cadela, mais ela se afastava... nem o petisco parecia agradar mais. A solução foi dizer para o senhor não abrir mais a boca e tentar adestrar a Batata só no clicker. Infelizmente a Batata grudou no meu pé e não quis mais sair até passar o susto.
         Outra coisa é que o dono faz coro com o lutador Anderson Silva e o apresentador Danilo Gentili e só engrossa a voz para dar bronca mesmo.